Café protege o fígado? Associação com menor risco de NAFLD e fibrose

19 de novembro de 2025

 

 

Por muito tempo, o café foi visto apenas como uma bebida estimulante, associada ao prazer do aroma e à rotina matinal. Mas nas últimas duas décadas, essa bebida milenar tem conquistado um novo status na ciência médica: o de protetor hepático natural. Estudos observacionais e ensaios clínicos têm demonstrado uma relação consistente entre o consumo regular de café e um menor risco de doença hepática gordurosa não alcoólica (NAFLD), fibrose e até cirrose.

 A revisão sistemática e meta-análise publicada em 2021 na MDPI+1 sintetiza essas evidências, mostrando que o hábito de beber café diariamente está associado à redução significativa de gordura hepática e à menor progressão para estágios mais avançados da doença. Essa descoberta coloca o café — uma das bebidas mais consumidas do mundo — como um aliado potencial na prevenção e no manejo da saúde do fígado.

O que a ciência descobriu sobre o café e o fígado

Os resultados da meta-análise de 2021 são expressivos: indivíduos que consomem café regularmente apresentam risco 30% a 40% menor de desenvolver NAFLD em comparação aos que não consomem. Entre pacientes que já possuem diagnóstico da doença, o consumo está associado a menor progressão da fibrose e até mesmo melhora em marcadores hepáticos.

O café exerce múltiplos efeitos benéficos sobre o metabolismo hepático. Ele modula enzimas envolvidas na detoxificação e na oxidação de gorduras, reduz a inflamação e aumenta a sensibilidade à insulina — fatores-chave na gênese da esteatose hepática. Além disso, seus compostos bioativos, como cafestol, kahweol e polifenóis, têm propriedades antioxidantes que protegem os hepatócitos do estresse oxidativo.

Outro achado importante é a relação dose-resposta. A meta-análise mostra que duas a três xícaras por dia já são suficientes para reduzir o risco de acúmulo de gordura no fígado, enquanto quatro ou mais xícaras estão associadas a proteção adicional contra fibrose. Esses resultados se mantêm mesmo após o ajuste para fatores como consumo calórico, álcool e atividade física.

Vale ressaltar que os benefícios não dependem exclusivamente da cafeína. Estudos com café descafeinado também demonstraram efeitos protetores, sugerindo que os compostos fenólicos e antioxidantes desempenham papel central nessa associação.

Como o café atua no metabolismo hepático

O efeito protetor do café sobre o fígado se explica por mecanismos bioquímicos bem estabelecidos. Um deles é a redução da lipogênese hepática, ou seja, a diminuição da produção de gordura dentro do fígado. Compostos presentes no café inibem enzimas que estimulam a síntese de triglicerídeos, evitando o acúmulo excessivo de lipídios nos hepatócitos.

Outro mecanismo é a melhora da oxidação de ácidos graxos, que aumenta a eficiência energética das células hepáticas e reduz a inflamação. O café também atua sobre o eixo intestino-fígado, favorecendo o equilíbrio da microbiota intestinal e diminuindo a translocação de endotoxinas que promovem inflamação hepática.

Além disso, a bebida contribui para reduzir o estresse oxidativo, uma das principais causas de dano celular e fibrose. Os antioxidantes do café neutralizam radicais livres e aumentam a atividade de enzimas protetoras, como a glutationa peroxidase.

Por fim, há evidências de que o café modula a expressão de genes envolvidos na resposta inflamatória e na fibrogênese, atenuando o avanço da NASH (esteato-hepatite não alcoólica) e prevenindo a formação de tecido cicatricial. Em conjunto, esses mecanismos explicam a correlação consistente entre consumo de café e melhora da função hepática observada nas análises clínicas.

O tipo de café e a dose ideal fazem diferença

Nem todo café é igual, e isso influencia os efeitos sobre o fígado. As revisões mostram que o café filtrado é o mais associado à proteção hepática, pois retém parte dos diterpenos (cafestol e kahweol) responsáveis por elevar o colesterol quando consumidos em excesso. Já o café expresso ou fervido contém concentrações mais altas desses compostos, o que pode ter impacto variável dependendo do perfil lipídico do indivíduo.

Em relação à dose, o ponto de equilíbrio parece estar entre duas e quatro xícaras por dia. Abaixo disso, os efeitos são menos pronunciados; acima, podem surgir desconfortos como insônia ou taquicardia, especialmente em pessoas sensíveis à cafeína. No entanto, mesmo doses moderadas já se mostram eficazes na redução de gordura hepática e marcadores inflamatórios.

Outro ponto interessante é que o café descafeinado também oferece benefícios, reforçando que a proteção não vem apenas da cafeína, mas do conjunto de compostos bioativos. Assim, pessoas que não toleram cafeína podem se beneficiar de versões sem estimulantes.

Por fim, é importante considerar o preparo. O uso excessivo de açúcar, xaropes ou cremes neutraliza parte dos efeitos positivos, adicionando calorias desnecessárias. O ideal é consumir o café sem açúcar ou com adoçantes naturais, para manter o equilíbrio metabólico e maximizar os benefícios ao fígado.

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Café, estilo de vida e prevenção da fibrose hepática

O café, isoladamente, não substitui hábitos saudáveis, mas pode potencializar os efeitos de um estilo de vida equilibrado. A revisão mostra que os maiores benefícios são observados em pessoas que associam o consumo regular da bebida a uma alimentação balanceada, controle de peso e prática de atividade física.

A interação entre café e dieta é relevante. Alimentos ricos em antioxidantes — como frutas vermelhas, vegetais e azeite de oliva — atuam de forma sinérgica, amplificando os efeitos protetores sobre o fígado. Já o consumo excessivo de bebidas açucaradas e ultraprocessados pode anular parte dos benefícios.

No contexto da fibrose, o café parece retardar o acúmulo de tecido cicatricial e reduzir a rigidez hepática, medida por elastografia. Pacientes com consumo regular da bebida apresentaram menor risco de progressão para cirrose, segundo dados da meta-análise. Essa proteção é atribuída tanto à modulação da inflamação quanto à melhora da função mitocondrial dos hepatócitos.

Em síntese, o café deve ser visto como um coadjuvante de grande valor dentro de um plano de prevenção e tratamento da NAFLD. Ele representa uma intervenção simples, acessível e respaldada por evidências sólidas, integrando prazer e benefício clínico em uma única xícara.

Um hábito prazeroso com benefícios reais

O café é mais do que uma fonte de energia — é uma ferramenta natural de proteção hepática. Incorporar o consumo regular, de forma equilibrada e sem exageros, pode ajudar a manter o fígado saudável e reduzir o risco de doenças metabólicas.
Comece com o simples: duas ou três xícaras por dia, sem açúcar, apreciadas com calma. Pequenas mudanças cotidianas têm o poder de transformar o metabolismo e prolongar a vitalidade do fígado.
Se o aroma do café faz parte da sua rotina, saiba que além do prazer, cada gole pode estar contribuindo silenciosamente para a longevidade do seu fígado.

Referência:
Systematic Review and Meta-Analysis: Coffee Consumption and Risk Reduction of Non-Alcoholic Fatty Liver Disease (NAFLD) and Liver Fibrosis. MDPI+1, 2021.

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